De que forma o COVID-19 está a moldar o Ensino Superior?

Anabela Mesquita

Professora Coordenadora do ISCAP – Instituto Politécnico do Porto

Os tempos são de incerteza. E na interseção da disrupção com a imprevisibilidade, emerge um novo modelo para a economia mundial e para o ensino superior, obrigando a um (re)pensar dos processos e ao refrescar de estratégias de gestão de crise que nos permitam fazer face ao desconhecido e, se possível, antecipar o futuro e a nova normalidade.

Sem querer fazer futurologia, prevêem-se várias mudanças, algumas das quais até já presentes no nosso dia-a-dia. Sem preocupações de importância ou prioridade, refiro, de seguida algumas, esperando que sirvam de mote para uma reflexão mais alargada.

  • Procura / Mobilidade – As dificuldades nas deslocações e o receio de outro surto de gripe faz com que grande parte dos alunos e docentes (re)pensem as suas mobilidades e até o estudar longe de casa. Esta situação vai afetar, em particular, as instituições mais dependentes de alunos oriundos de um determinado país ou área geográfica, levando-as a repensar, forçosamente, a sua estratégia de gestão.
  • Aprendizagem online – a necessidade de aumentar a presença e os cursos online já não pode ser negada. Desta forma, as instituições vão ter que considerar que parte da formação vai ter que ser oferecida presencialmente e a outra parte pode ser dada online. O receio da substituição do docente pela tecnologia está a dar lugar à compreensão de que as ferramentas são complementos e não substitutos, da intimidade, do imediatismo da aprendizagem presencial. Provavelmente iremos assistir ao aumento do recurso de diferentes estratégias de ensino como, por exemplo, a sala de aula invertida, procurando usar o tempo de sala de aula / sessões síncronas, para discussões, debates e práticas orientadas.
  • Aumento do uso da videoconferência – Muitas organizações e instituições de ensino acabaram com as viagens não essenciais, substituindo-as pelas videoconferências. No entanto, há que considerar que a participação constante nas videoconferências também causa stress, ansiedade, desgaste nos participantes, acreditando-se que esta será uma área a estudar e explorar de forma a minimizar estes impactos.
  • Avaliação dos estudantes – Em muitas instituições de ensino os exames tradicionais vão ser substituídos por ferramentas de avaliação online. Ora, esta é uma oportunidade para se repensar a forma de avaliação, com a exploração de outras possibilidades como sejam o portefólio, resolução de problemas, reflexões, resumos, diários, entre outros.
  • Processo de admissão / recrutamento – O recrutamento e as práticas de admissão vão mudar. Os exames de acesso, em algumas partes do mundo, já estão a ser adiados o que pode ter impacto no início do próximo ano letivo. Pensa-se que serão necessários prazos mais flexíveis e até uma revisão dos requisitos de admissão. As feiras para recrutamento de alunos podem não ser mais possíveis, o mesmo se podendo passar com as receções aos estudantes e semanas de orientação.
  • Gestão das instituições de ensino – Todas estas mudanças implicam que as instituições repensem a sua gestão a diversos níveis – desde a procura de estudantes, às formas de financiamento, à oferta de formação e até à gestão dos espaços, garantindo o distanciamento físico entre as pessoas e a higienização dos espaços.
  • Inserção no mercado de trabalho – Há aqui alguns aspetos a considerar sendo o primeiro a possibilidade dos empregadores poderem vir a pensar que o modelo online pode não preparar de forma adequada os estudantes para o mercado de trabalho. Além disso, a avaliação online, sobretudo em momentos de pouca experiência como o que se vive, pode incluir algum “ruído”, não refletindo de forma cabal os conhecimentos e competências dos estudantes. Além disso, há estudos que referem que a interrupção na avaliação bem como a graduação no início de uma recessão global, pode causar condições de trabalho mais precárias, fazendo com que os jovens aceitem trabalhos mais mal pagos, com efeitos permanentes nas suas carreiras.
  • Papel das instituições de ensino superior – A par do COVID-19, assistimos a uma crise económica e social que aumentou as desigualdades, a pobreza, o desemprego, os problemas psicológicos, entre outros. Além disso, os problemas relacionados com a globalização, o desenvolvimento tecnológico, a crise ambiental e das democracias, crise das instituições internacionais e crise de valores, vão tornar-se mais evidentes e generalizados. E neste contexto, vamos assistir à emergência de novas expectativas em relação às instituições de ensino superior, em termos de ligações com a comunidade, de ensino, de estratégias internacionais, de mobilidade e até em termos de valores. Assim, estas instituições terão de repensar a sua missão e valores. Terão de procurar respostas para algumas questões como sejam: Que tipo de instituição queremos ser no fim da pandemia? Que tipo de sociedade e de pessoas queremos? E isto significa (re)pensar os seus papeis em relação aos seus públicos e à sua responsabilidade social. Uma coisa é certa, as instituições de ensino terão de operar num ambiente económico, social e político diferente do anterior e vão ter que dar respostas a estes desafios.

Os momentos difíceis fazem-nos parar, olhar para dentro e refletir. São ocasiões de mudança, de crescimento. Se soubermos aproveitar esta oportunidade, podemos sair desta situação mais fortes, mais responsivos, mais humanos. Melhores pessoas. Acredito que o guião das nossas vidas é escrito por todos e por cada um de nós, sabendo que juntos seremos sempre mais fortes.